Os prefeitos baianos são a mais nova mira dos cibercriminosos. Só nesse mês de julho, entre os dias 19 e 26, ao menos seis prefeitos e um vereador tiveram os nomes e fotos utilizados por bandidos para aplicar golpes ou as contas do WhatsApp clonadas. Aproveitando da influência que eles têm em suas cidades, os golpistas tentam se passar pelos políticos para conseguir extorquir dinheiro de comerciantes e populares.
Foi o que quase acontecia em Nova Soure, cidade governada por Luis Cassio De Souza Andrade, o Cassinho (PSD). No último sábado (24), alguém utilizando o número de DDD 87, próprio da macrorregião de Petrolina (PE), enviou mensagens no WhatsApp para diversos comerciantes da cidade solicitando serviços. No perfil da conta apareciam a foto e o nome do prefeito, dando a entender que ele tinha trocado de número recentemente.
“É um número estranho, de um DDD que não é da nossa região. Ele liga para o comerciante, pede uma pizza, por exemplo, e tenta dar o golpe pedindo para transferir algo no nosso nome”, diz Cassinho, que ficou revoltado com essa situação.
“Dá uma sensação de impotência, pois eu não consigo ter controle sobre isso. Me sinto usado. O que eu fiz foi alertar as pessoas para não caírem nesse golpe. Sempre tive o mesmo número e não vou trocar”, afirma.
Ninguém de Nova Soure revelou ter transferido algum dinheiro, o que pode ter feito com que o criminoso não se contentasse apenas com essa cidade. No mesmo dia, ele trocou o nome do perfil do WhatsApp para Marquinhos do Itapicuru, como é conhecido Jose Marques Dos Reis (PDT), o prefeito de Cipó, cidade localizada a 16 quilômetros de Nova Soure, ambas no Nordeste de Bahia. A foto do perfil também foi mudada para a do gestor cipoense e a tentativa de golpe foi a mesma.
“Mandaram mensagens para disk gelada, lanchonete, bar e para pessoas inclusive pedindo dinheiro”, revelou Arminda Miranda, filha do prefeito e responsável por administrar as redes sociais do gestor. Ela se diz surpresa com a audácia dos bandidos. “Chega a ser contraditório o prefeito pedir dinheiro emprestado para alguma pessoa, né? Sorte que o povo tem contato muito fácil com ele e logo ficamos sabendo de tudo”, disse.
Em casos como esse, é preciso fazer um Boletim de Ocorrência
Os crimes sofridos pelos prefeitos não resultaram em prejuízos financeiros. No entanto, Ana Paula de Moraes, advogada e especialista em segurança e direito digital, explica que isso não pode ser motivo para que não sejam feitas denúncias. “No caso dos aplicativos de mensagem, é claro que fica complicado rastrear, mas se tem a notícia de que a imagem do prefeito foi usada indevidamente para aplicar golpes, tem que fazer o registro da ocorrência, reunir os prints e o máximo de provas”.“Se ele não fizer isso, o crime não vai diminuir. O gestor fica ainda numa situação muito complicada, pois vai ter um descrédito. A população pode não acreditar no que ele fala, já que tem alguém fazendo atos ilícitos com sua imagem. Eu tenho caso de clientes que não eram figuras públicas, mas a gente conseguiu identificar os criminosos. É preciso só reunir e entregar o máximo de provas para os investigadores”, defende.
Ana Paula de Moraes, advogada (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Mesmo com essa orientação, o prefeito Cassinho preferiu não fazer um boletim de ocorrência. “Não fiz BO, pois é uma coisa muito solta. Não tem nem delegacia de crimes cibernéticos na região”, argumenta. Já Arminda não soube dizer quais foram as providências jurídicas tomadas pelo pai. Fato é que, ainda na segunda-feira (26), mais de 24h depois de ambos gestores terem exposto a situação nas redes sociais, a linha telefônica de DDD 87 citada pelos políticos como a usada para o golpe continuava ativa.
Tanto que, nesse mesmo dia, outro prefeito divulgou em suas redes sociais que esse mesmo número estava tentando aplicar golpes em sua cidade. Trata-se de Fortunato Silva Costa, o Nena (PSD), gestor de Inhambupe. “Pedimos à população para ficar atenta. Não aceite qualquer ligação telefônica ou mensagem de whatsapp desse número, pois o mesmo está usando o nome e foto do prefeito para dar golpe”, disse o comunicado emitido por Nena em redes sociais.
A reportagem entrou em contato com o número exposto pelos gestores e, num primeiro momento, sem se identificar, perguntamos se aquele telefone era mesmo do prefeito. Do outro lado da chamada, uma pessoa de voz grave atendeu, negou que fosse o prefeito que falava e, imediatamente, desligou a ligação. Em outras tentativas de contato através de chamada e mensagem de texto por WhatsApp, que chegou a ser visualizada, não obtivemos resposta.
Outros prefeitos foram vítimas de crimes virtuais
Os crimes virtuais não estão cercados nos limites de Cipó, Inhambupe e Nova Soure. “Comigo aconteceu no sábado, mas vários outros gestores já passaram por isso. Aconteceu com os prefeitos de Alagoinhas e Ribeira do Pombal também”, disse Cassinho. Nessa segunda cidade, a assessoria do prefeito Eriksson Santos Silva (PSD) confirmou os fatos. Já a Prefeitura de Alagoinhas não respondeu até o fechamento do texto.Todos esses quatro municípios estão localizados no Nordeste baiano, mesma região de Monte Santo e Euclides da Cunha. Na primeira cidade, a prefeita Silvania Matos (PSB) teve o WhatsApp clonado. Ela também não respondeu a reportagem, mas compartilhou nas redes sociais, no dia 19 de julho, um comunicado sobre o assunto. “Informo que o meu número (75 99801-6530) utilizado no aplicativo WhatsApp acaba de ser clonado. Não responda a nenhuma mensagem, principalmente se tratando do pedido de envio de dinheiro. Nossa equipe jurídica já está trabalhando no sentido de identificar os autores dessa violação”, escreveu.
Comunicado emitido pela prefeita Silvania Matos (Foto: Reprodução) Já em Euclides da Cunha foi o vereador Flávio de Jesus Dias, conhecido com Cacique Flávio (PT), que teve seu whatsapp clonado. Ele publicou um alerta nas redes sociais nessa semana. Segundo o legislador, o criminoso mandou mensagens para os seus contatos pedindo favores financeiros. Nos comentários da publicação, diversos seguidores confirmaram que receberam a mensagem.
Cassinho conhece bem essas tentativas de clonagem de WhatsApp. “Acontece muito de pessoas ligando para a gente que é prefeito, se passam por deputados, pesquisadores e no final da chamada mandam um código para o celular ou um link. É só a gente clicar e já foi. Acho que a imagem dos prefeitos é muito visada pelos golpistas, pois as pessoas da cidade nos respeitam e, por acharem que somos nós ali que estamos falando, elas não imaginam que se trata de um golpe”, diz.
Para a advogada especialista em crime digital, os políticos não podem investir somente na sua própria segurança física, mas também na digital. “Eu entendo que as pessoas públicas deveriam contratar uma assessoria jurídica composta por profissionais especializados em direito digital, que atuem junto com a equipe de marketing para monitorar redes sociais e sites de busca. O objetivo disso é rastrear onde as imagens dos prefeitos estão sendo divulgadas e a que conteúdo isso está sendo atrelado. Se for algo falso ou criminoso, é preciso atuar para que haja a remoção desse conteúdo”, explica.
Relembre outros políticos baianos que já foram vítimas de crimes digitais:
Raissa Soares, secretária da Saúde de Porto Seguro: No dia 17 de maio de 2021, a gestora disse nas redes sociais ter recebido uma ligação de um número com o DDD 61, da macrorregião de Brasília, dentro do Distrito Federal, que dizia ser uma pesquisa do Ministério da Saúde sobre a Covid-19. “Eu respondi umas cinco perguntas. [Quando] terminou a pesquisa, a pessoa fala assim para mim: ‘Para confirmar esta pesquisa, confirme que você recebeu um código'”, disse a médica. No entanto, o código solicitado fez com que o aplicativo de mensagens da secretária fosse clonado.Marcio Marinho (Republicanos), deputado federal e Lucio Vieira Lima, ex-deputado federal: No dia 28 de maio de 2020, Lúcio Vieira Lima sofreu uma tentativa de golpe no WhatsApp por uma pessoa que clonou o WhatsApp de Márcio Marinho. Na conversa, o homem pedia um favor ao ex-deputado que, desconfiado, pediu para ele ligasse. O homem respondeu: “Falou em favores e a conversa já fica estreita”. A conversa termina com a reposta de Lúcio: “Falou em falar para ouvir sua voz e já não quer mais o favor”. Marcio Marinho confirmou depois que o número dele foi clonado e cancelou a linha.
Rui Costa (PT), governador: No dia 25 de março de 2021, o governador fez uma postagem nas redes sociais denunciando que alguém está se passando por ele no WhatsApp para aplicar golpes. “Atenção: estão praticando um golpe com meu nome, usando uma foto minha no Zap em um número que não é meu. Já denunciei à polícia, que vai investigar o caso. Tenho convicção que a autoria será identificada. Nos últimos dias, tenho sido vítima de várias calúnias e fakes news. Por que será?”, escreveu o governador. Ele não explicou como funciona o golpe que estava sendo aplicado.
Félix Mendonça Júnior (PDT), deputado federal: No dia 23 de julho, o parlamentar denunciou que estão usando o nome dele para aplicar golpes na internet. Por meio do telefone com DDD 71 e final 2527, criminosos estão ligando para pessoas conhecidas do deputado e convidando para um jantar. “Esse é um novo golpe na praça. Você recebe uma ligação em nome de um amigo ou autoridade pública convidando para um evento. Depois, recebe um código, que deve ser enviado via WhatsApp. O objetivo é justamente hackear o WhatsApp desses contatos”, afirmou Félix. “Peço que as pessoas que me conhecem alertem toda vez que receberem a mensagem. Não estou organizando nenhum jantar. Já estou adotando as medidas policiais e judiciais cabíveis para encontrar e punir esses criminosos”, acrescentou.
Confira alguns dos principais golpes aplicados atualmente:
1 – Golpe da clonagem do Whatsapp: Entre os meios usados pelos bandidos está o Whatsapp. Os criminosos enviam uma mensagem pelo aplicativo fingindo ser de empresas em que a vítima tem cadastro. Eles solicitam o código de segurança, que já foi enviado por SMS pelo aplicativo, afirmando se tratar de uma atualização, manutenção ou confirmação de cadastro.
Com o código, os bandidos conseguem replicar a conta de WhatsApp em outro celular. A partir daí, os criminosos enviam mensagens para os contatos da pessoa, fazendo-se passar por ela, pedindo dinheiro emprestado por transferência via Pix.
Correio da Bahia