Até seis anos de prisão. Esta é a penalidade que a Islândia quer impor a quem realizar a circuncisão de meninos por razões que não sejam puramente médicas.
O controverso projeto de lei foi apresentado no começo do mês pela deputada Silja Dögg Gunnarsdóttir, do Partido Progressista (PP), conservador. Agora, a proposta está sendo analisada pelo parlamento do país.
O debate pode demorar meses, mas se a proposta for aprovada, a Islândia se tornará o primeiro país europeu a declarar a circuncisão ilegal.
Tanto judeus quanto muçulmanos – que realizam a circuncisão ritual dos bebês há milhares de anos – condenaram o projeto e disseram que ele interfere em sua liberdade religiosa.
A circuncisão “é de fato parte da nossa fé. É algo que concerne à nossa religiosidade e acho que (proibir) seria uma violação, um ataque à liberdade religiosa”, disse à BBC Ahmad Seddeeq, imã do Centro Cultural Islâmico da Islândia.
Estima-se que existam no país cerca de 250 judeus e 1.500 muçulmanos – a Islândia como um todo tinha uma população de 334 mil pessoas em 2016, pouco mais que a cidade de Boa Vista, em Roraima, com 332 mil.
Os motivos
Quais são as motivações da proposta?
Segundo os apoiadores do projeto, a circuncisão viola os direitos das crianças e é incompatível com a convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças.
Os autores dizem também que a circuncisão “implica em intervenções permanentes no corpo de uma criança e que podem provocar dor severa”.
O texto compara a prática com a mutilação genital feminina, proibida na maioria dos países europeus e declarada ilegal pela Islândia em 2005.
As crianças que queiram submeter-se ao procedimento por razões culturais ou religiosas, diz a proposta, podem fazê-lo quando tiverem idade suficiente para “entender quais são as implicações deste ato”.
Esta idade, entretanto, não é especificada na proposta.
Além disso, a proposta argumenta que a circuncisão geralmente é feita sem anestesia, “em lugares que não são esterilizados, e são feitas por líderes religiosos e não médicos”. Isto significaria um “elevado risco de infecção (…) que pode levar à morte”.
Exagero?
Ao jornal britânico “The Guardian”, um representante do grupo judeu Milah UK disse que o procedimento só é realizado por pessoas altamente especializadas, conhecidas como mohelim.
Ele também não seria comparável à circuncisão feminina, diz o porta-voz, já que a eliminação parcial ou total da genitália feminina provoca não só dor e dificuldades durante o ato sexual, mas também complicações médicas.
A circuncisão masculina à qual são submetidos milhões de meninos judeus e muçulmanos, por outro lado, é um procedimento muito menos invasivo.
Segundo uma clínica privada que oferece o procedimento, a circuncisão masculina traz benefícios: facilita a higiene do pênis, diminui o risco de infecções urinárias e de contrair doenças sexualmente transmissíveis, inclusive Aids. A clínica informa ainda, em seu site na internet, que os riscos de não fazer a operação são pequenos e podem ser evitados com os cuidados devidos.
A Associação de Pediatria dos EUA não recomenda que se faça a circuncisão de todos os homens recém-nascidos. Mas diz que os benefícios de fazer a operação são maiores que os riscos do procedimento. Em todo caso, diz a associação, trata-se de uma decisão dos pais.
De acordo com a editora de Saúde da BBC, Michelle Roberts, o procedimento, apesar de simples, não está totalmente livre de riscos.
Os médicos podem recomendar a operação se o prepúcio for anormalmente estreito, ou se o paciente sofrer de infecções frequentes na área.
Também existem evidências de que os homens circuncidados têm menos chance de contrair HIV ao fazer sexo com mulheres que possuem o vírus.
Segundo Roberts, os principais riscos da cirurgia são os sangramentos e possíveis infecções no local.
Antissemitismo e islamofobia
Líderes judeus e muçulmanos manifestaram o temor de que a medida possa incitar o antissemitismo e a islamofobia, e tornar insustentável a vida dos indivíduos dessas comunidades na Islândia.
As comunidades também temem que, no futuro, a circuncisão seja praticada na clandestinidade ou que as pessoas religiosas sejam obrigadas a viajar para outros países para cumprir o que manda sua fé.
“Estão perto de atacar o judaísmo de uma forma que preocupa a todos os judeus do mundo”, disse a organização das Comunidades Judias Nórdicas em uma carta aberta.
A arcebispa de Reikjavik, Agnes M. Sigurðardóttir, advertiu que a proposta pode fazer com que judeus e muçulmanos “não se sintam bem-vindos” na Islândia.
“O perigo é que, se esta proposta virar lei, o judaísmo e o islamismo se tornarão religiões criminalizadas”, disse a religiosa. “Devemos evitar toda forma de extremismo”, acrescentou ela.